Um homem deu parte do seu
fígado à sua filha. Para isso ausentou-se do trabalho para realizar a
intervenção cirúrgica. Quando regressou tinha uma carta de despedimento. Nela,
a sua entidade patronal dizia que assim teria mais tempo para cuidar da sua prole.
A matriz primária do ser humano contínua intacta, mesmo que mergulhados em
pleno século XXI.
Mais do que uma crise económica vivemos uma
gravíssima crise de valores. Não é difícil perceber isto. Basta estarmos
atentos a esta chafarica. E estarmos atentos ao nosso dia-a-dia. Ao que se
passa em nosso redor. Nunca uma sociedade viveu tão informada, tão indignada,
mas e o resultado disso? Sabem?
Se por um lado estamos
informados, por outro a velocidade com que as noticias nos caem ao colo leva a
que passemos de indignação para indignação sem grande atenção ou profundidade.
Um homem perdeu o emprego para
dar vida à sua filha. Indignamo-nos. Logo de seguida chega um atentado.
Indignamo-nos. Depois chega mais um resgate a um banco onde temos conta e temos
medo, indignamo-nos. Isto no prazo de um dia. A indignação da sociedade poderia
levar a algumas mudanças, mas já nem indignarmo-nos conseguimos fazê-lo com
reflexos, com propósito. E depois precisamos de aligeirar a vida. Basta um
busto mal atamancado e a coisa faz soltar o riso. Eu também me ri. Aquilo está
feio como tudo. Mas depois penso que foi um rapaz desempregado que o fez em 15
dias. Há aqui um certo mérito. Ou um desmérito que me apela aos sentidos.
Lembram-se de uma escultura que o Cavaco Silva inaugurou algures a meio da A1 e
que foi um balúrdio? E é um pilarete, ao alto, que quando bate o sol temos de
colocar os óculos de sol para não nos encadearmos e enfiarmos o carro na
traseira de um camião. Não houve grande indignação. E já agora que falamos no
Cavaco Silva, se ele escrevesse um livro de memórias patrocinado pelos mesmos
que patrocinaram o do Sampaio? Ui, imagino a indignação que seria. Assim foi só
uma mini-indigação.
Saltamos de indignação em
indignação com a leveza com que mudamos de roupa. Daqui a uns tempos não me
lembrarei mais deste pai que, em Espanha, país pertencente a esta europa dos
valores (cof cof), foi despedido. Terei outra indignação. Ou mais duas. Ou três.
Que descartarei sem problema.
Falam da crise económica, mas
vivemos uma outra bem mais grave e perniciosa. A dos sentidos e dos valores.